quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Suspiro

A primavera inicia-se com as suas flores dissimuladas e seus espinhos estridentes.

Suspiro, suspiro... Vai, tente respirar, encontre o ar em algum lugar de seus pulmões. Respire, respire. Suspiro, suspiro...

A bola de neve ganhou forças, a queda tornou-se escura e infinita, o incêndio nunca a de cessar.

Vermelhidão, olhos, lágrimas, palidez, mais lágrimas, fragilidade... Suspiro, suspiro.

Vai, respire, respire, você precisa respirar. Suspiro, suspiro.

Remédios não vão me curar.

Minimizar, minimizar... Refugiar, refugiar... Lar, lar...

Capitão, eu estou aqui, totalmente só, esperando por você, esperando que por misericórdia você me estenda a mão, puxe-me para o seu navio e retire cada sensação melancólica de meu peito.

Suspiro.

23/09/10

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O Incêndio

Cada chama penetra friamente minha pele, cada labareda transpõe todo o seu ardor por cada célula de meu corpo, mas eu não me importo, isso faz com que eu me sinta vivo, com que eu me abstenha de assemelhar-me com um personagem fictício. Sim, a fumaça teima em irritar meus olhos, ocasionando uma lágrima ou outra, e assiduamente minha respiração torna-se assombrosamente mais e mais ofegante, bem como se ela fosse estacar. Mas pouco me importa, eu persisto em permanecer vivo.

Olho para o céu e deparo-me com uma imensa escuridão noturna unificada com a fumaça negra que exala do incêndio e do queimar em minha pele. Inicia-se uma chuva, obrigando o retrocesso incendiário a cada segundo, de centímetro em centímetro. Minha pele já não mais queima, eu já possuo forças para respirar e dos meus olhos lagrimas já não mais caem. Olho para o meu corpo e deparo-me só com uma queimadura, uma única queimadura em meu peito esquerdo.

Passa-se o tempo e a queimadura tranfigura-se em uma cicatriz. Eu levei dias, semanas, meses para entender o porquê de possuir uma única cicatriz após todo o desastre ocasionado devido ao incêndio. Compreendi que essa cicatriz nunca vai extirpar-se, sempre permanecerá tatuada em meu peito esquerdo, fazendo-se necessário que eu tenha forças para não ignorá-la - as tatuagens nunca somem -, e me cuidar para não observá-la constantemente e continuadamente, afinal, certas cicatrizes, quando as valorizamos muito, persistem em sangrar.

Atiro-me desesperadamente, desenfreadamente e desnorteadamente, rumo ao próximo incêndio. QUEIME, QUEIME, QUEIME. Eu quero arder em chamas, sentir minha respiração ofegar.

13/09/10

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Taberna de Reg IX

"Nihil durare potest tempore perpetuo
Cum bene sol nituit, redditur oceano
Decrescit Phoebe, quae modo plena fuit
Sic Venerum feritas saepe fit aura leuis"
Reg IX

"Nada pode durar eternamente
Embora ainda brilhe forte o sol, volta-se para o Oceano
Febe (Lua) diminui logo após a sua cheia.
Assim, a ferocidade das paixões transforma-se, com frequência, em brisa suave."
Tradução de Pedro Paulo Funari

12/09/10

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Navio II

O navio cansou de afundar e vedou todos os seus buracos. Agora o navio percorre mar adentro rumo à felicidade.

O navio navega sem direção, afinal, de que importa a direção? O que o navio deseja é ancorar em um porto onde ele se depare com a felicidade. Não a felicidade completa, o navio tem asco dos navios hipócritas que alegam gozar da mesma. O navio é convicto de que ela não existe, e se contenta com isso. Nunca ter a felicidade completa é o motor do navio nunca aportar muito tempo em um só cais. Sempre chega a manhã em que o navio decide partir rumo a outros modos de ser feliz. Assim, o navio se prepara e navega em outra direção a todo o vapor, seja ela norte, sul, leste ou oeste, pouco importa.
O navio compreende que haverá tempestades e que navios piratas vão tentar saqueá-lo, mas ele esta pronto pra isso, na verdade isso o incentiva.

O navio não para, o navio só navega em busca da felicidade. E não importa a direção, não importa a direção.

29/08/10

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Do Alto do Precipício

Eu subo até o precipício mais alto. Quando alcanço o topo eu examino primeiramente o céu e depois todas as pessoas lá em baixo, assimilando-se com formigas desnorteadas nesse formigueiro que intitulamos de vida. Decido sentar-me com os pés para fora do precipício enquanto reflito. Novamente dirijo meu olhar para o céu e penso em tudo o que já presenciei, no que estou vivendo e, como de praxe, ignoro o futuro distante. Nunca dou atenção para o amanhã longínquo, é tolice desgastar-se com a próxima cena enquanto a atual não obteve o seu fim.

Decido levantar-me e esboço um leve sorriso em minha face. Fecho meus olhos e me atiro do alto do precipício. Durante a queda recordo-me de todas as ocasiões em que eu cai e ela não fora aterrorizante quanto eu conjeturava. Quando eu abro os olhos vejo-me no chão, dilacerado, e com todas aquelas carnes que alguns chamam de ser humano me analisando por puro prazer doentio de olhar meu corpo desfigurado no chão. Ao vivenciar essa situação um novo sorriso é tracejado, mas dessa vez é um sorriso ímpar, que só quem já caiu do alto de um precipício consegue compreender. É nesse momento que me levanto e dou inicio a uma risada insana. Todas as carnes ambulantes arregalam os seus olhos cegos e aproximam-se do meu corpo, acreditando que eu sou um desvairado ou coisa que o valha. Ao deparar-me com essa reação eu desisto e inicio a minha caminhada rumo ao lugar onde eu chamo de lar. Durante essa caminhada eu esboço o meu terceiro e último sorriso, o qual exala felicidade por saber que logo estarei de encontro com algumas essências, alguns humanos de verdade. Essas essências entendem o porquê de eu sempre me jogar do precipício. E eu não vou parar enquanto não obter o meu êxito. É, eu não vou parar.

30/08/10